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Neste documento, discutimos a necessidade de um novo tipo de planejamento em face de crises e injustiças sociais. O planejamento insurgente é proposto como uma solução, que envolve reconhecer as práticas cidadãs como formas de planejamento e abrir a teorização do planejamento a outras formas de ação. O documento explora o conceito de espaços de ação convidados e inventados, a contra e anti-hegemonia, e a importância da imaginação no planejamento insurgente.
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Typology: Study notes
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University of Illinois at Urbana-Champaign, Departament of Urban + Regional Planning, Urbana-Champaign, Illinois, Estados Unidos da América
Obrigada por esta apresentação. Inicialmente, gostaria de agradecer à comissão organizadora do World Planning Schools Conference por me convidar para abrir esse importante diálogo entre colegas de todo o mundo. É uma verdadeira honra e um privilégio me dirigir a um grupo internacional de estu- diosos de renome, sendo que com alguns dos quais continuo a aprender. Como sempre, o conhecimento é uma produção coletiva, e, portanto, o que compartilharei com vocês hoje são meus conhecimentos, adquiridos através do diálogo com ativistas e acadêmicos de várias partes do mundo. Não preciso dizer a esta audiência que vivemos em um momento de crise, uma crise global que não é apenas uma crise do capitalismo, mas também do planejamento como uma profissão e como uma ideia. Por isso, a urgência de nossas conversações neste congresso mundial, para discutir como podemos repensar o planejamento, o qual é parte integrante da crise contemporânea, e imaginar práticas de des- colonização que tornem possível um urbanismo humano. A crise contemporânea é insidiosa e infecta todas as dimensões da vida, em todos os cantos do globo. Mas isso não significa que estamos todos nela da mesma forma; essas crises afetam as pessoas distintamente em diferentes lugares, de formas que são injustas e desiguais. Poderosas economias, que produzem a desumanidade das crises globais, entretanto raramente assumem a responsabilidade por sua criação. A atual guerra no Oriente Médio e seu deslocamento global é um exemplo. Hoje, mais de 60 milhões de pessoas, ou seja, uma em cada 122 pessoas no mundo, foram expulsas de seus lares pela guerra e outros perigos, uma taxa de sofrimento pior do que em qualquer outro mo- mento da história humana. Mas, enquanto o mundo tem os seus olhos em quase um milhão de fugitivos que enfrentaram o Mar Mediterrâneo para alcançar a Europa, apenas cerca de 300.000 receberam a assim chamada “hospitalidade europeia”. A grande maioria dos refugiados permanece próxima a seus lares, sem muita atenção global, em lugares como a Turquia, Jordânia, Líbano, Iraque, Irã e Egito, em campos de refugiados como Zaatari na Jordânia, os quais são agora uma característica permanente das cidades e uma forma de urbanização. Essa é, de fato, a era do desterro global, seja por causa das guerras e do petróleo, seja por causa da ganância do capital imobiliário gerando espoliação e expulsão urbanas. Enquanto Congresso Mundial das Escolas de Planejamento (WPSC – 2016, World Planning Schools Congress), os debates em que embarcamos nos próximos dias concernem a como nós, enquanto acadêmicos do planejamento, treinando as próximas gerações de profissionais de planejamento, respon- demos e nos engajamos em relação a essas crises e injustiça. Eu argumento que o planejamento está se defrontando com sua própria crise de identidade e legi- timidade, uma crise que emerge de sua esquizofrenia profissional, razão pelo que sua própria imagem e ideia da profissão não se encaixam. Daí, portanto, a necessidade de um novo tipo de planejamento, de um novo significado e de uma nova imaginação. O planejamento progressista necessita romper com os
1 Conferência de Abertura do IV World Planning Schools Congress , realizada no Rio de Janeiro, em 3 de julho de 2016. Tradução de Ester Limonad, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (POSGEO/UFF).
DOI: https://doi.org/10.22296/2317-1529.2016v18n3p
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postulados que o conduziram a tal crise existencial. Necessita de uma virada ontológica na teorização das práticas de planejamento. Alguns a designam de planejamento insurgente, outros, inclusive alguns de nossos colegas aqui no Rio de Janeiro, a chamam de planejamento conflitivo.
Figura 1: Campo de Refugiados Zaatari, Jordânia, 80.000 pessoas
Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/levant/2015-10-20/help-refugees-help-themselves. Acesso em: 15 set. 2016.
Nesta apresentação enfoco como tal ruptura ontológica na teorização das práticas de planejamento requer, em primeiro lugar, reconhecer o leque de práticas além das sancionadas pelo Estado e pode- res corporativos – nomeadamente as práticas insurgentes; e em segundo lugar, requer descolonizar a imaginação e as possibilidades para o futuro. Para isso, precisamos recorrer às práticas subordinadas, amadurecidas em movimentos anticoloniais e anticapitalistas de longa duração. Aí encontraremos a inspiração, os valores e os princípios orientadores para práticas que podem promover um futuro e um urbanismo mais humanos. Deixem-me desenvolver essa argumentação passo a passo. Eu o faço em três atos: Ato I. entendendo a esquizofrenia do planejamento; Ato II. práticas insurgentes como um tipo diferente de planejamento; Ato III. imaginação e a urgência em descolonizar o futuro. E, então, finalizarei com uma breve reflexão sobre o que tudo isso representa para o ensino de planejamento.
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3 Disponível em https://csaweb.org/2015/10/09/mumbais-coastal-road-social-environmental-impacts/ Acesso em 15 de jun. 2016. 4 Disponível em: https://csaweb.org/2015/10/09/mumbais-coastal-road-social-environmental-impacts/. Acesso em: 15 jun. 2016. 5 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-asia-india-22460871. Acesso em: 15 jun. 2016.
Faranak MiraFtab
O planejamento insurgente é um planejamento alternativo à medida em que tem lugar entre co- munidades subordinadas, sejam assentamentos informais e municípios em ex-colônias ou comunidades desfavorecidas no estômago da besta – a América do Norte e a Europa Ocidental. Neste estágio histórico particular do neoliberalismo onde a inclusão é um álibi para a exclusão e normalização da dominação neocolonial, a falência do planejamento inclusivo liberal nos pressiona a repensar os parâmetros epistemológicos e ontológicos das teorizações e práticas de planejamento. Nós
Figura 4: Loja da rede I love my laundry , Cape Town, África do Sul
Disponível em: <http://showme.co.za/cape- town/news/i-love-my-laundry-in-buitenkant-s- treet-opening-night/>. Acesso em: 15 jun. 2016.
Figura 5: Nomvisiswano lavando sua roupa na periferia do assentamento de Marikana, em Phillipi
Disponível em: <http://www.groundup.org.za/article/marika- na-residents-struggle-water/ please everywhere change Bongani to Nomvisiswano>. Acesso em: 15 jun. 2016.
Faranak MiraFtab
inclusão liberal, frequentemente tem de se mover através e entre aqueles espaços de acordo com as neces- sidades específicas da luta. Mas instituições de poder, tais como a mídia dominante, o Estado, organiza- ções internacionais de ajuda, configuram esses espaços convidados e inventados em uma relação binária, e tendem a criminalizar os últimos, designando apenas os primeiros como espaços “apropriados” para as vozes e participação dos cidadãos. Devemos observar que uma construção binária de espaços convidados e inventados arrisca uma concepção fixa equivocada de estabilidade em cada espaço. Essa construção binária desconsidera a fle- xibilidade e a natureza inovadora do capitalismo e como ele se desdobra sobre o que quer que esteja a sua margem e busca incorporar o que quer que possa constituir uma ameaça a ele. O que hoje é uma alternativa pode se tornar uma tendência dominante e despolitizada pela repressão e cooptação amanhã, com sua força transformadora minada – deixando os ativistas com um “telefone de brinquedo sem sinal para chegar a lugar nenhum” – metáfora que meu colega Ken Salo usa para esses movimentos roubados. Movimentos radicais necessitam, assim, reinventar constantemente seus espaços de ação através de “práticas de ruptura e criação”. Porque, conforme Marcelo Svirsky (2010), o ativismo que “trilha cami- nhos de conflito reconhecidos está sempre em risco de ser sitiado e contido pelo organismo de Estado”, e da conformidade à cumplicidade é um curto passo, como adverte Buchanan (2000). O ativismo que busca apenas garantir os mecanismos da democracia representativa constitui o que Svirsky (2010) desig- na de “ativismo escravo”. Este tipo de ativismo escravo é o que a teoria despolitizada de planejamento celebrou e populari- zou como planejamento inclusivo através da participação cidadã, do desenvolvimento comunitário de movimentos sociais e envolvimento de movimentos sociais. O planejamento insurgente rompe com esse modo de pensar de formas radicais. O planejamento insurgente desafia o confinamento e a conformação das ações dos cidadãos às normas do Estado democrático liberal e do aparato de mercado e também reconhece como os cidadãos podem usar essas normas para induzir uma ruptura e criar algo novo. Os cépticos, todavia, levantam importantes questões:
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Figura 6: Mobilização armada de direita, liderada por Clive Bundy, em Nevada, Estados Unidos
Fonte: Steve Marcus/Reuters/Corbis.
Ou consideremos os frequentes distúrbios xenofóbicos na África do Sul, inclusive o de 2015, no cabo Ocidental, onde tive o infortúnio de testemunhar os depoimentos, de partir o coração, de suas vitimas entre os pobres migrantes e refugiados africanos. Entendo as práticas de planejamento insurgentes 6 , com potencial transformador para um urbanis- mo humano, em termos de três princípios:
6 Ver: Miraftab (2009) e Miraftab e Wills (2005).
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Recentemente, Deniz Ay e eu publicamos um texto^7 que documenta o sucesso de espaços inven- tados de ativismo usando atos performáticos de insurgência para parar a demolição do Gezi Park e da Praça Taksim e sua substituição por um shopping center. Gezi Park e a Praça Taksim adjacente, para aqueles na audiência não familiarizados com Istambul, é um espaço público chave para os residentes de Istambul. É um grande espaço público, e é o centro comercial e de transporte. Os promotores multinacionais e o capital imobiliário, entretanto, como parte da agressiva neoli- beralização do espaço urbano de Istambul, voltaram-se para a apropriação desse espaço para um uso sofisticado e de elite. Durante os vários estágios do planejamento desse projeto de renovação, cidadãos preocupados e organizações civis exauriram os canais liberais representativos de participação cidadã (os chamados espaços convidados) para expressar sua oposição. Mas como se esperava, estes não eram mais do que uma maquiagem de fachada para a agressiva agenda do capital arrasar tudo e abrir caminho, figurativa e literalmente. No dia da demolição, entretanto, os cidadãos chegaram e inventaram novos meios para participar e serem ouvidos; alguns espontâneos, outros organizados enfrentaram uma forte repressão militar. Mesmo assim, ocuparam a praça, instalaram seu espaço comunal, imaginaram o espaço público como se fora deles mesmos e resistiram aos avanços do capitalismo. O que é importante, para mim, nesse exemplo são os aspectos performáticos da luta deles e os es- paços de ativismos que inventam – performatividade encenada por aqueles “que não contam”, para citar Swyngeduow (2015). Uma série de táticas com base no lugar, que simbólica e performaticamente resiste ao re-desenvolvimento na Praça Taksim, re-inventou a praça e deu-lhe um novo significado através do uso imaginativo de seu espaço público. Por exemplo, uma forma não ortodoxa de protesto: permanecer parado. Um homem permaneceu parado por oito horas consecutivas na Praça Taksim, defronte ao Centro Cultural Ataturk (AKM), que traz a efigie do tamanho de uma parede de Ataturk, pai da nação e de seu moderno estado na Turquia, com as bandeiras nacionais do país de cada lado. O ato de permanecer parado enquanto defrontava esta figura disparou a memória coletiva dos fundamentos da Turquia moderna, que reverberaram entre muitas pessoas da oposição ao governo nacional. Enquanto o Homem Parado desnorteou as forças policiais, em como manejar os supostamente passivos protestos de massas “apenas parados”, também criou uma presença corporal de pessoas. Essa simples presença de corpos no domínio público, como Judith Butler e Athanasiou (2013) ressaltam, gera uma certa força performática através do “Nós estamos aqui”, mensagem que também poderia ser re-lida como “Nós ainda estamos aqui” a despeito dos esforços persistentes de despossessão e opressão. O protesto do Homem Parado tornou-se um ato inovador de prática cidadã precisamente por causa do contexto histórico, espacial e político no qual teve lugar e deu significado a ele. A “Mesa na Terra” é outro exemplo de espaços inventados e de ativismo. Um mês de luta marcou o primeiro dia do Ramadan, assim muitos esperavam que isto acabaria inevitavelmente com os protestos no Gezi Park. Ao contrário, as pessoas de Gezi reinventaram o espaço da rua mais popular de Istambul (Istiklal), mesclando os ideais do movimento de Gezi Park com os rituais do Ramadan. As pessoas ocu- param a linha do bonde, que atravessa a avenida Istiklal e criaram a Mesa na Terra, como a designaram, para quebrar o seu jejum, recebendo centenas de pessoas compartilhando sua comida uns com os outros. Este ato inovador de usar o trilho do bonde, no meio da vizinhança mais vibrante da cidade e rodeados por restaurantes de alto luxo, foi chave para afirmar a presença deles, o “nós ainda estamos aqui” afetou mas também evocou a imaginação de um urbanismo humano e de um espaço urbano mais comunal.
7 Ver: Ay e Miraftab (2016).
Faranak MiraFtab
Figura 8: “Mesa na Terra”, Avenida Istiklal, julho de 2013
Fonte: Foto de Yagiz Karahan, 2013.
Embora esses movimentos não ofereçam, de forma alguma, um plano urbanístico, suas práticas são fundamentais para obstruir a besta da ganância urbana. Essas práticas podem ou não permanecer válidas para outra luta, outro tempo e lugar, mas necessitamos inventar novas formas de ação, compar- tilhá-las, criar um repertório, um idioma de planejamento (para usar os termos de Ananya Roy) para empurrar os limites da imaginação e evocar um futuro alternativo que seja pela justiça espacial. Lutas pela imaginação e descolonização do futuro, enfatizo, são o terreno político chave da luta. Esse é o Ato III, para o qual me volto agora, que tem uma implicação significativa para os educadores de planejamento.
Os escritos de intelectuais africanos ensinam-nos que a liberação das colônias poderia acontecer apenas através do que Fanon (1986; 1995) designa de “descolonização da mente” e liberação da imagi- nação. A liberação necessita de uma nova consciência, recuperada da injúria moral colonial, da profunda alienação que acreditava que o desenvolvimento da colônia somente poderia acontecer “sob a condição de rejeitar a si própria” e que importe no atacado cenários e soluções não-africanas (DAVIDSON, 1992). Afirmo a necessidade de uma nova consciência que libere as imaginações do planejamento. Isso requer descolonizar a imaginação do planejamento questionando suas assumpções hegemônicas.
Faranak MiraFtab
move uma compreensão transnacional e historicizada através de todas as áreas do curriculum. Ela vê o lugar local como poroso, não como um território confinado ou aparte. Vai além do na- cionalismo metodológico dos estudos urbanos e do pós-nacionalismo dos estudos globais para expor o custo global do desenvolvimento local. Um curriculum relacional não ensinaria, portanto, sobre revitalização sem gentrificação; não en- sinaria sobre migração sem desterritorialização; não ensinaria sobre o presente sem um agudo sentido de história e não ensinaria sobre o local sem revelar a hierarquia e seu modo de conexão com o mundo. Um ensino relacional de planejamento politiza o curriculum , é politemporal e transnacional, provê os estudantes com analogias e metáforas da exclusão e do elitismo através da inclusão Segundo , necessitamos preparar os estudantes com variadas linguagens de planejamento que os conectem a atores diversos, os quais contestam e modelam o futuro do habitat humano. Meu colega Carlos Vainer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere que o planejamento poderia ser entendido como uma linguagem, e o que ele designa de planejamento de conflito oferece uma linguagem técnica e discursiva do planejamento para os movimentos. Isso implica em um ensino de planejamento que prepara os estudantes para se engajarem não apenas com os espaços convidados, mas também com os espaços inventados de ação cidadã. O planejamento, entendido como um campo disputado de ação por um conjunto de atores, reco- nhece os múltiplos centros de poder, meios de ação e linguagens. Os estudantes que nós, como acadê- micos, treinamos podem acabar em organizações sem fins lucrativos da sociedade civil, em autarquias municipais, no mundo corporativo das consultorias ou do setor imobiliário, ou simplesmente como ci- dadãos preocupados, conduzindo suas próprias lutas por uma experiência de vida humana e um meio de sobrevivência dignos. Nossos estudantes precisam reconhecer o significado de outros atores igualmente importantes no processo de construção da cidade. Eles não podem ser enganados pela criminalização de certas práticas e espaços de ação. Assim, pode-se perguntar o que devem fazer aqueles que treinamos para obter um emprego como planejadores profissionais? O planejamento insurgente não tem projetos urbanísticos; além de sua estru- tura normativa, ele não pode ter um plano urbanístico, um projeto físico, à medida que isso poderia jo- gar por terra a essência das práticas imaginativas e relacionais que necessita. O planejamento insurgente é específico do contexto e responde ao conjunto de atores e relações que encontra em um dado contexto disputado. Como cada contexto possui sua própria micropolítica e infrapolítica (para usar o termo de Kelly Robin (1994)), não há uma transmissão genérica de certas ações a um planejador profissional. Terceiro, nosso currículo necessita evocar a imaginação para visionar um futuro alternativo – um futuro que incorpore um urbanismo humano. Para um ensino transformador de planejamento, Fanon ajuda ao mostrar o papel das subjetividades em reforçar ou minar o discurso e a prática da cultura dominante. Fanon escreve sobre a colonização da mente, dos valores e das subjetividades através da falsa promessa de plena cidadania por falar o “francês apropriado”. No ensino de planejamento as imaginações dos estudantes são frequentemente sequestradas pelas experiências de planejamento euro-americanas convencionais do mainstream como o “planejamen- to adequado”. O custo de não usar ideias e ideais convencionais e elitistas de planejamento é que nós não somos ouvidos. A eliminação de futuros alternativos não se faz sempre através da violência direta, por exemplo, pela criminalização das alternativas. A remoção de práticas alternativas de planejamento pode se fazer também através da violência indireta por meio da depreciação da alternativa – depreciando as práticas. Por exemplo, rotulando-se alternativas como “irreais e que, portanto, não merecem um envolvimento” ou “sem vínculos com a realidade presente” tem frequentemente servido como um meio efetivo para suprimir alternativas. Nessa era de “realismo”, onde os ideais são menosprezados e sonhar é estigmatizado, o exercício da
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imaginação individual ou coletiva de um mundo justo é de valor pedagógico inestimável. Um exemplo nesse sentido é a minha turma de calouros, a quem solicitei, em um pequeno exercício simples de grupo, que imaginassem como uma cidade justa se pareceria ou seria: os estudantes tiveram dificuldades em se envolver com esse imaginário mesmo por cinco minutos. Para educadores de planejamento a fronteira da luta anticolonial e anti-hegemônica é de fato uma luta para descolonizar as mentes e a imaginação dos estudantes, para visionarem as possibilidades de um mundo diferente. Para encerrar gostaria de enfatizar que, por vivermos em tempos de crise, tanto do capitalismo quanto de nossa profissão de planejamento; estas crises compelem-nos rumo a novas oportunidades. A mais importante oportunidade e desafio ao planejamento progressista para tratar das injustiças espaciais é ousar imaginar – imaginar um futuro radicalmente diferente que seja mais justo e que corporifique um urbanismo humano. Para isso necessitamos também de um repertório de práticas que possam invo- car tal imaginação e pavimentar os caminhos para um urbanismo humano. O espaço desse congresso e seu compartilhamento transnacional de ideias e histórias é uma oportunidade única. Espero ansiosa por isso.
Faranak Miraftab é PhD pela University of California, Berkeley, EUA ; Docente do Departamento de Planejamento Urbano e Regional na University of Illinois em Urbana-Champaign, EUA. E-mail: faranak@illinois.edu
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